Abnóxio

Poesia de Ademar Santos - em reconstrução
Retrato de Ademar Santos feito à mesa de um café - na Brasileira ou no Moçambique -, em 1973, pelo Padre Nunes Pereira.
  • Iniciação...

    Não cobiço nem disputo os teus olhos
    não estou sequer à espera que me deixes ver através dos teus olhos
    nem sei tão pouco se quero ver o que vêem e do modo como vêem os teus olhos
    Nada do que possas ver me levará a ver e a pensar contigo
    se eu não for capaz de aprender a ver pelos meus olhos e a pensar comigo
    Não me digas como se caminha e por onde é o caminho
    deixa-me simplesmente acompanhar-te quando eu quiser
    Se o caminho dos teus passos estiver iluminado
    pela mais cintilante das estrelas que espreitam as noites e os dias
    mesmo que tu me percas e eu te perca
    algures na caminhada certamente nos reencontraremos
    Não me expliques como deverei ser
    quando um dia as circunstâncias quiserem que eu me encontre
    no espaço e no tempo de condições que tu entendes e dominas
    Semeia-te como és e oferece-te simplesmente à colheita de todas as horas
    Não me prendas as mãos
    não faças delas instrumento dócil de inspirações que ainda não vivi
    Deixa-me arriscar o barro talvez impróprio
    na oficina onde ganham forma e paixão todos os sonhos que antecipam o futuro
    E não me obrigues a ler os livros que eu ainda não adivinhei
    nem queiras que eu saiba o que ainda não sou capaz de interrogar
    Protege-me das incursões obrigatórias que sufocam o prazer da descoberta
    e com o silêncio (intimamente sábio) das tuas palavras e dos teus gestos
    ajuda-me serenamente a ler e a escrever a minha própria vida.

    Publicado em “Descansando do Futuro – Reserva de Intimidade”, Edições Asa, 2003
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Abnóxio foi, entre 2004 e 2010, o blogue de Ademar Santos. Hoje é um site, ainda em construção, que reúne a sua poesia. É desenhado e mantido por Alexandre Santos, um dos seus filhos.