Há um instrumento musical em que sempre tropeço,
quando me levam pela mão a ouvi-lo: o acordeão.
Sento-me na soleira da porta da casa dos meus pais
fecho os olhos para fingir de cego
(ou fixo-os num ponto qualquer ausente em mim)
e toco.
Toco aquele velho e trôpego acordeão,
enquanto as beatas de mantilha negra
a caminho do ofício do terço (ou seria da verbena?)
deixam a moeda distraída no chapéu virado do avesso,
como agora a minha memória.
Os homens não levam a mão ao bolso.
A caridade é feminina.
E eu continuo a tocar para ninguém
o acordeão que me escorre dos dedos
(ou será da alma?).
Hei-de procurar-me lá:
na soleira da casa onde nasci.
Talvez me encontre
(ou a partitura)…
Improviso (em prosa?) sobre um acordeão esquecido...
15 de março de 2005